Macrófagos associados à fisiopatologia da endometriose

A endometriose é uma doença caracterizada pela presença de tecido semelhante ao endométrio fora da cavidade uterina. É multifatorial, sendo que a sua patogênese ainda não foi completamente esclarecida. Geralmente, cursa com dor pélvica crônica debilitante, dismenorreia e infertilidade, além de outras sintomatologias dependendo do local de implantação desse tecido ectópico. Estima-se que essa doença atinge de 6% a 10% das mulheres em idade fértil no mundo, gerando impacto físico, psicológico e socioeconômico importante.

Fonte: JELJELI, 2020

Sabe-se que disfunções imunes estão relacionadas à fisiopatologia da endometriose, já que estudos demonstraram alterações em grupo celulares do sistema imunológico no líquido peritoneal de mulheres portadoras da doença, o qual apresentam maior quantidade de macrófagos, neutrófilos e células dendríticas. Além disso, há alterações funcionais das células de defesa, em especial as células NK que passam a ter menos citotoxicidade. Nesse contexto, destaca-se o curioso papel dos macrófagos no desenvolvimento, crescimento, vascularização e inervação dessas lesões endometriais

MACRÓFAGOS ENDOMETRIAIS

Em um endométrio saudável e cíclico, ou seja, em uma mulher que menstrua regularmente, há uma migração de macrófagos para o endométrio, juntamente de citocinas e proteases secretadas por essas células durante as fases secretoras e menstrual. Assim, na fase secretora eles auxiliam na regeneração e proliferação da camada endometrial funcional, na regulação das glândulas e na angiogênese . Ainda, os macrófagos secretam MMP-12,MMP-9 e MMP-14, metaloproteinases de matriz que são necessárias para romper com a camada funcional do endométrio e assim desencadear a descamação, iniciando assim a fase menstrual.

Após a menstruação, inicia-se a fase proliferativa, com predomínio do estímulo estrogênico. Esse hormônio altera o fenótipo do macrófago, o qual passa a ter uma funcionalidade voltada para o reparo tecidual. Dessa forma, nota-se que fatores hormonais, citocinas locais e outros fatores de crescimento podem alterar e modular o fenótipo, a função e o recrutamento de macrófagos ao longo do ciclo menstrual.

MACRÓFAGOS PERITONEAIS

Os macrófagos peritoneais constituem mais de 50% dos leucócitos que residem na cavidade peritoneal, permanecem mais em estado estacionário e possuem uma grande funcionalidade fagocitária.

Estudos em camundongos revelaram o comportamento desses macrófagos durante uma inflamação. Inicialmente, há uma queda na população de macrófagos no estado estacionário, já que há uma migração para o omento, devido a estímulos de quimiocinas. Uma linhagem de macrófagos passa a ter um fenótipo pró-reparo (LpM), secretam IL-10, ajudam a depurar células apoptóticas e executam reparo de feridas em órgãos viscerais. Ainda, outra linhagem de macrófagos (SpM), segue para um perfil pró-inflamatório, os quais passam a secretar inúmeras citocinas e fatores inflamatórios, sendo essencial para uma rápida resolução desse processo. Assim, os SpM na maioria das vezes sofrem apoptose após a resolução, mas em alguns casos podem persistir na cavidade peritoneal. Em humanos esses papéis ainda não foram bem esclarecidos, devido à dificuldade de realizar pesquisas nessa área.

MACRÓFAGOS NA ENDOMETRIOSE

Estudos demonstraram que os macrófagos residentes da lesão endometrial podem derivar do endométrio e do peritônio, além de outros recrutados pelas citocinas inflamatórias. Além disso, foi descoberto que esses macrófagos podem estar alterados nas mulheres que possuem endometriose, sabe-se que nesses casos os macrófagos endometriais expressão menos CD163, um marcador cicatricial, mas os porquês ainda não foram esclarecidos. Em contrapartida, há um aumento de CCL2 que é proporcional à gravidade da doença— já que sugere maior influxo de monócitos, os quais vão se diferenciar em macrófagos— e de metaloproteinase (MMP9), o que indica maior remodelação tecidual.

Fonte: JELJELI, 2020

No caso dos macrófagos peritoneais, há uma diminuição da sua capacidade fagocitária. Estudos in vitro demonstraram que alguns macrófagos podem agir suprimindo as células NK na cavidade peritoneal. Essas alterações demonstram o quanto os fenótipos dos macrófagos são dinâmicos e progressivos nas lesões endometriais.

As lesões endometriais respondem aos estímulos estrogênicos da mesma forma que um endométrio saudável, ou seja, ele pode proliferar e sangrar, passando posteriormente pelo processo de reparo tecidual. Nesse sentido, os macrófagos são fundamentais no processo cicatricial, pois estimulam os fibroblastos a se diferenciarem em miofibroblastos, além de ajudar na proliferação e expansão de células estromais. Ainda, eles participam da angiogênese e neurogênese nas lesões endometriais, o que contribui para aumentar o quadro álgico da paciente.

É necessário a realização de mais estudos para esclarecer completamente o mecanismo imunológico por trás da endometriose, principalmente os que envolvem os macrófagos. Mas, as descobertas recentes são de extrema importância, uma vez que aumentam as possibilidades terapêuticas, como a inibição da sinalização ou da migração de macrófagos. Assim, novos estudos e ensaios clínicos devem ser realizados para que a comunidade médica e as mulheres com endometriose se beneficiem desse conhecimento.

REFERÊNCIAS

1. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul; ASTER, Jon. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças . São Paulo: Grupo GEN, 2016. 9788595150966.

2. JELJELI, Mohamed et al. Macrophage Immune Memory Controls Endometriosis in Mice and Humans. Cell Reports, v. 33, n. 5, p. 108325, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2211124720313140

3. MILLER, Jessica E. et al. IL-17A modulates peritoneal macrophage recruitment and M2 polarization in endometriosis. Frontiers in Immunology, p. 108, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7034338/