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Imunodeficiência primária: abordagem terapêutica

  • Foto do escritor: simposiosaiba
    simposiosaiba
  • 11 de nov. de 2021
  • 6 min de leitura

O sistema imune é responsável pela defesa do organismo contra agentes infecciosos e substâncias reconhecidas como sendo estranhas. Para exercer tal função, esse sistema é composto por dois tipos de imunidades. A imunidade inata é o primeiro mecanismo ativado e inclui barreiras físicas e químicas, células fagocíticas como os neutrófilos e macrófagos, dendríticas e células natural killer (NK), além de proteínas do sistema complemento. A imunidade adaptativa apresenta maior especificidade e contém os linfócitos T e B.

Os erros inatos da imunidade (EII), também conhecidos como imunodeficiências primárias (IDPs) são ocasionados por mutações monogênicas da linha germinativa que causam perda de expressão, perda de função ou ganho de função da proteína codificada, levando a consequências variadas, principalmente uma anormalidade do sistema imune. Eles podem ser de herança dominante ou recessiva, autossômica ou ligada ao X e com penetrância completa ou incompleta. Essa condição, geralmente é identificada a partir do histórico clínico de infecções com repetições, devido a alteração no sistema imune do indivíduo e por isso, o paciente fica mais suscetível a infecções, tumores ou doenças autoimunes, visto que sua primeira linha de defesa está vulnerabilizada.

As IDPs podem ser causadas por erros embriológicos no desenvolvimento do sistema imune, bem como pela ineficiência ou ausência de alguns de seus componentes como os fagócitos, linfócitos e sistema complemento, por exemplo. Na ausência desses atributos, ocorre a perda da função básica desse sistema que é a proteção do organismo contra infecções, podendo ser fatal. Além disso, são mais prevalentes no sexo masculino e em populações com alta frequência de consanguinidade, sendo presente em 1 caso para cada 200 nascimentos.

A apresentação clínica dos EII é altamente diversificada. Porém, a maioria dos distúrbios envolve o aumento da suscetibilidade à infecção como infecções comuns no dia a dia e, portanto, podem passar despercebidos no ambiente de atenção primária. Os EII podem se manifestar em qualquer idade, sendo que alguns diagnósticos são mais fáceis de determinar sendo por meio da avaliação dos níveis séricos de imunoglobulinas (Ig), da citometria de fluxo de células imunes ou da avaliação da função dos neutrófilos in vitro, porém, para maiores detalhamento desses distúrbios é necessário testes especializados já que o mesmo e o tratamento precoces são essenciais para prevenir a morbidade associada à doença significativa e melhorar os desfechos do paciente.

A imunodeficiência também está associada com distúrbios multissistemicos, ou seja, com vários sintomas presentes em inúmeras doenças hereditárias, como nas síndromes de Chediak-Higashi, na síndrome de Wiskott-Aldrich e na síndrome de DiGeorge.

Os EII, podem ser classificados de acordo com o componente do sistema imunológico afetado.


1. Defeitos da Imunidade Inata: esse grupo inclui distúrbios congênitos relacionados a primeira linha de defesa contra organismos infecciosos sendo os fagócitos e o complemento que são os principais responsáveis, portanto, esse tipo resulta em infecções recorrentes como de pele e do trato respiratório e outros. Na tabela a seguir, está descrito as principais doenças e seus mecanismos.


2. Imunodeficiências combinadas graves (SCID): esse grupo engloba doenças que afetam tanto a imunidade humoral como a imunidade mediada por células. Elas ocorrem por causa do desenvolvimento falho de linfócitos T associado ou não a defeitos na maturação de células B. Essa condição, pode ser fatal devido as graves infecções como pneumonia, meningite, infecções do trato gastrointestinal e vacinas de vírus vivos atenuadas. Na tabela a seguir, está descrito as principais doenças e seus mecanismos.


3. Deficiências de anticorpos (Defeitos no desenvolvimento e ativação das Células B): esse grupo de doença está associado as células B e consequentemente afetam a produção de anticorpos, estando relacionadas aos defeitos no desenvolvimento das células B ou na anormalidade na ativação dos mesmos e na síntese de anticorpos. Na tabela a seguir, está descrito as principais doenças e seus mecanismos.


4. Defeitos na ativação e função dos linfócitos T: nesse grupo está incluso distúrbios de composição dos grânulos ou de exocitose do CTL e da célula NK, que estão relacionadas ao defeito na ativação de células T. Na tabela a seguir, está descrito as principais doenças e seus mecanismos.


Os dois principais objetivos para a abordagens terapêuticas das imunodeficiências congênitas, consiste minimizar e controlar as infecções, além de reposição de anticorpos ou transplante de células tronco, afim de substituir os componentes defeituosos ou ausentes do sistema imunológico, para prevenir e tratar infecções, estimular o sistema imunológico e tratar a causa subjacente do distúrbio imunológico. Em alguns casos, as EII estão associadas a uma doença grave, como um distúrbio autoimune ou câncer, que também precisa ser tratado. O tratamento das EII, portanto, varia de acordo com a doença diagnosticada e pode ser tanto definitivo quanto de suporte. Além disso, ainda existem muitas opções terapêuticas em estudo. A seguir, estão descritas algumas possibilidades de tratamentos.


1. Profilaxia antibiótica:


Considerando que a imunodeficiência leva à suscetibilidade a infecções, uma possibilidade de abordagem comum aos EII é a profilaxia antibiótica, cuja finalidade é diminuir os riscos de complicações nos casos em que ainda não houve início de um tratamento específico ou aqueles que, apesar do tratamento, ainda estão apresentando infecções de repetição. Entretanto, é importante que a abordagem seja específica para cada paciente e o acompanhamento pelo médico seja realizado para a análise do desenvolvimento de resistência ao antibiótico e de reações adversas. As EII do sistema complemento ainda não apresentam um tratamento definitivo específico, exceto angioedema hereditário e, portanto, a abordagem inclui a profilaxia antibiótica. Ademais, esses pacientes podem apresentar risco aumentado de infecções meningocócicas e, por isso, a possibilidade da vacinação deve ser avaliada;



2. Imunoglobulina humana


O tratamento com Ig é atualmente a principal abordagem terapêutica em quase 75% dessas doenças, isto é, aquelas em que a produção de anticorpos é prejudicada, promovendo a substituição da IgG. O tratamento com Ig mantém as concentrações séricas estáveis e adequadas deste tipo de Ig e alcança um bom manejo clínico dos pacientes.



3. Transplante de medula óssea

A maioria das IDPs ocorre devido a defeitos genéticos intrínsecos às células hematopoiéticas. Portanto, o transplante de medula óssea, que nada mais é que a substituição de células alteradas por células-tronco hematopoiéticas de doadores saudáveis, é uma alternativa de tratamento muito racional. Essa indicação deve ser individualizada e baseado não apenas na doença específica, mas também nas características de cada paciente. Os pacientes com SCID representam uma emergência médica, pois são altamente suscetíveis a infecções potencialmente fatais. Portanto, nesses pacientes, o transplante fornece uma opção de tratamento curativo.


4. Terapia gênica


Consiste na modificação genética de células-tronco hematopoiéticas autólogas do indivíduo com um vetor contendo o produto gênico corrigido. Esse tipo de procedimento é feito em laboratório. Depois, o tratamento é administrado ao paciente na forma de transplante autólogo de medula óssea. Uma vantagem desse tipo de terapia é que não existe a necessidade de espera na captura de doadores compatíveis, o que diminui o tempo de busca e a chance de evolução para doença enxerto versus hospedeiro.


5. Medicamentos


Com os avanços das pesquisas em Imunologia, novos medicamentos têm surgido, principalmente os imunobiológicos de precisão, que estão sendo testados e aprovado para pacientes com EII. Um exemplo é o rituximabe, anticorpo monoclonal anti-CD20 que atua em citopenias autoimunes, doença pulmonar intersticial granulocítica e linfocítica .


6. Cuidados importantes


Em relação à vacinação, as vacinas contendo microorganismos mortos ou subcomponentes de microorganismos são seguras para todos os pacientes imunocomprometidos e devem ser administradas caso o paciente tiver capacidade suficiente para gerar uma resposta imune. Em contraste, as vacinas contendo vírus ou bactérias vivos atenuados podem resultar em proliferação descontrolada e doença disseminada e são contraindicadas em muitas formas de EII. A imunoglobulina contém anticorpos para agentes vacinais comuns (por exemplo, sarampo, varicela) e deve fornecer proteção pelo menos parcial contra essas doenças em pacientes que recebem tratamentos regulares. Uma exceção importante é a influenza, que sofre mutações com frequência suficiente para que os títulos de imunoglobulina geralmente não sejam suficientes para proteger da cepa circulante. A imunoglobulina também pode reduzir a eficácia de algumas vacinas. Por fim, certas vacinas são especificamente recomendadas para pacientes com diferentes tipos de estados de imunodeficiência primária e secundária devido às suscetibilidades subjacentes.


Além disso, a manutenção da saúde em pacientes com EII inclui cuidados dentários, audiológicos e oftalmológicos e triagem para complicações de infecções, distúrbios inflamatórios e uso de medicamentos. A família e o próprio paciente devem receber apoio mental e emocional e também aconselhamento genético.


Apesar dos progressos obtidos, ainda existem desafios a serem superados na conduta e tratamento das EII, pois o tempo é um fator crucial para estes pacientes. Em caso de suspeita de uma IDPs deve se atentar, também, às manifestações clínicas, uma vez que, grande parte dessas doenças se manifestam de forma primária com infecções frequentes do trato respiratório. O diagnóstico conciso e precoce e a terapêutica apropriada no dado momento poderão restabelecer as condições clínicas e prevenir o surgimento de complicações, aumentando, assim, a expectativa de vida desses pacientes.


REFERENCIAS

  1. ABBAS A., LICHTMAN A. H., POBER, J.S. Imunologia Celular & Molecular. 9ª edição. Rio de Janeiro: Gen Guanabara Koogan, 2019

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  3. Roxo Júnior, PérsioImunodeficiências primárias: aspectos relevantes para o pneumologista. Jornal Brasileiro de Pneumologia [online]. 2009, v. 35, n. 10 [Acessado 5 Novembro 2021] , pp. 1008-1017. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1806-37132009001000010>. Epub 06 Nov 2009. ISSN 1806-3756. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009001000010

  4. GOUDOURIS, E. S.; SEGUNDO, G. R. S.; POLI, C. Repercussions of inborn errors of immunity on growth. J Pediatr (Rio J), v.95, Suppl 1, p.49-58, 2019

  5. GOUDOURIS, E. S. et al. II Brazilian Consensus on the use of human immunoglobulin in patients with primary immunodeficiencies. Einstein (Sao Paulo), v.15, n.1, p.1-16, 2017



 
 
 

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